quarta-feira, 27 de julho de 2011

Ampla visão deturpada

Ela achava a vida uma coisa estranha por causa de um simples motivo: a percepção.
Ninguém percebe nada por ninguém, nem da mesma maneira: é - ela acreditava - a coisa mais pessoal que existe.
Você pode dividir opinião, dar um conselho, contar um segredo...
Mas com a percepção não se faz nada disso!
E por isso ela pensava tão diferente. E se dava bem. E se dava mal...
Muito porque enxergava a vida como algo extremamente efêmero: tinha louco desespero em viver tudo o que lhe dava vontade.
Fato é que não conseguia carregar todo mundo no seu pique, o que para ela era uma desilusão.

Abre parênteses (para um blábláblá).

E olha que nem eram sonhos absurdos, loucuras que demandam muita verba, ou algo que os valha.
Eram coisas simples, mas que o sinuoso itinerário cotidiano não lhe permitia: tomar sorvete com a família reunida na noite de uma quinta-feira quente; juntar aquela galera boa - todo mundo no famoso "juntoemisturado" - para um evento qualquer, apenas pelas companhias; assistir ao vídeo do parto de seu novo priminho (não! ela não aguentaria assistir ao vivo, mesmo com o convite que recebera)...
Ela gostava mesmo era de estar com aqueles pelos quais sentia apreço. De passar momentos importantes e felizes com eles.

Fecha parênteses.

Eis que, à medida que o tempo passava, ela foi aprimorando o seu bom-senso, praticando budistamente sua paciência e se permitindo maiores responsabilidades no que diz respeito ao âmbito emocional (como se já não bastasse os compromissos diários que possuía...).
Percebeu que nem todos - ou quase ninguém - eram como ela. Seu jeito, tão particular - que ela mesma julgava um misto de extroversão com timidez - não agradava a gregos e troianos.
Bem... Isso ela já sabia. Mas quando tal fato se mostrou desmascarado, nu e cru, ela chorou.
E suas lágrimas não foram derramadas pelos outros. Em um momento egóico, ela chorou por si mesma.
Repensou algumas atitudes. Prometeu-se não mais repeti-las. E, por fim, teve a certeza de que não conseguiria cumprir o trato que fizera consigo mesma. Traiu-se com a facilidade de quem trai ao outro. E, outra vez, chorou.
Num primeiro instante, sentenciou sua própria falta de vergonha. Passado algum tempo, notou que não se tratava disso.
O gostar-de-alguém é algo que não se escolhe - como ela se repudiava por ter de admitir isso! Amar-alguém, então... Como ela gostaria de poder escolher!
Atada, sem opções, ela continuava a viver...
Se ainda lhe faltava tempo para perceber, não fazia mal: sua certeza é que, independente dos percalços, a vida é rara - e disso ela tem certeza.

3 comentários:

Jim disse...

bravo!

Patrícia disse...

perfeito!

Juliana Passeri disse...

Que esso..